Promover o envolvimento e emancipação da comunidade das mulheres no Senegal era o tema do concurso de projeto Casa das Mulheres na África, encabeçado pela Kaira Looro International, uma instituição sem fins lucrativos que organiza concursos abertos a estudantes e jovens arquitetos com o objetivo de fomentar projetos humanitários em países em desenvolvimento e lançar luz sobre novos talentos da arquitetura.
O concurso, que desafiava os participantes a desenvolverem uma “casa das mulheres” através de uma arquitetura simbólica, ecológica e inspirada das tradições locais, premiou com menção especial a equipe brasileira composta pelos estudantes Clara Teodoro, Daniel Teixeira, Maria Isabela Neves e Mateus Silva, da Universidade Federal de Pernambuco. Conheça a proposta destacada, acompanhada de seu memorial descritivo, a seguir.
Da equipe: A arquitetura desempenha um papel crucial na abertura de um novo mundo de oportunidades para as mulheres, capaz de conceber espaços que fomentem a inclusão e a participação social, econômica e política desse grupo. Nosso intuito para este projeto foi criar uma arquitetura versátil, adequada para suprir diversas atividades coletivas que fortaleçam os encontros, os diálogos, os aprendizados, a memória coletiva e as iniciativas já existentes no vilarejo de Baghère, no Senegal, e, além disso, criar um ambiente em que as mulheres sintam-se seguras e empoderadas.
PARTIDO
Buscou-se localizar o edifício de forma singular, tomando como partido uma árvore isolada da massa arbórea do entorno, organizando, ao redor deste símbolo de resistência, proteção e esperança, um edifício pátio.
A casa das mulheres foi desenvolvida sob a mesma cobertura, mas em quatro volumes diferentes, alocados em uma malha estrutural de 2,5m x 2,5m. Esse sistema permitiu gerar uma configuração espacial o mais livre e versátil possível. Nesse sentido, foi proposto uma sala multifuncional de paredes laterais formadas por uma alternância de janelas/mesas. Com um movimento de 90o, as folhas das janelas podem transformar-se em mesas, criando diversas sugestões espaciais, podendo se configurar como uma sala de aula para a formação e capacitação de mulheres, um auditório para a organização de assembleias, uma feira livre para a comercialização, ou um local de encontro comunitário e manifestações culturais. Esta iniciativa é capaz de atender as mulheres desde de uma formação técnica a produção de renda, a partir da atividade agrícola-comercial, construindo uma rede comunitária auto-suficiente e inclusiva. Além disso, as janelas quando dispostas como mesa, criam uma grande abertura para o exterior, permitindo a iluminação natural difusa, a renovação do ar e um diálogo contínuo com a natureza existente e com o entorno.
O edifício também dispõe de um ambiente com forno a lenha, voltado para a produção de artefatos em barro e cerâmica para venda, como também abarca a configuração de cozinha comunitária, amenizando os trabalhos de reprodução social que, em geral, são designados às mulheres. Aliado a isso, o projeto prevê uma sala de reunião, permeada por nichos em suas paredes, transformando-se, também, em um local de exposição e venda de produtos produzidos no próprio edifício. Por fim, o edifício possui um ambiente de cogestão e organização, possibilitando seu funcionamento de maneira comunitária e democrática.
A organização dos ambientes do edifício, em formato de pátio e com a cobertura inclinada para o interior da edificação, permite que o ar quente saia e o ar fresco se espalhe pelos ambientes, servindo como uma grande exaustão. O edifício conta com a presença de venezianas nas esquadrias e do forro de esteira na cobertura, proporcionando temperaturas mais amenas no interior dos ambientes e se adequando ao clima local.
Por se tratar de um projeto de autoconstrução e entendendo a participação da comunidade como um fator de engajamento social e político, o processo de execução do edifício foi pensado para englobar oficinas de formação, principalmente voltadas para mulheres.
MATERIALIDADE
A casa das mulheres foi projetada para ser totalmente construída com materiais locais e de fácil acesso, de forma a diminuir o impacto ambiental e incentivar a economia da região. O projeto é construído basicamente de dois materiais principais: a madeira e a terra.
As paredes são construídas usando a técnica de taipa de pilão, erguida sobre uma fundação de concreto ciclópico, composta de uma mistura de rochas, areia e cimento. Para as vigas, os pilares e a coberta foram utilizados madeira local e, com as sobras desse material, foi proposto a sua utilização em trechos do piso do pátio. A cobertura metálica, protege, com seus amplos beirais, a estrutura treliçada de madeira que a sustenta e possui um forro de cerca de bambu local. Embora a chapa metálica não seja um material verdadeiramente ecológico, ela possui uma alta reciclabilidade, além de ser bastante utilizada na região e possuir um baixo custo.
O projeto é de fato um espaço dinâmico e colaborativo que incorpora a essência do lugar na inserção do edifício no contexto e materializa a paisagem nos materiais, além de ser capaz de atender e fortalecer as múltiplas demandas e iniciativas de uma atmosfera de germinação e ressonante otimismo.
Autoria: Clara Maria Barbosa Teodoro, Daniel Arruda Weinstein Teixeira, Maria Isabela Neves Ferreira e Mateus Leandro Silva
Orientadores: Bruno Lima e Lúcia Veras
Instituição: Universidade Federal de Pernambuco